Expedição fotográfica ao Centro do bairro Jaraguá

No alto inverno, manhã do domingo 21 de agosto de 2016, logo depois de ficar sabendo que o evento Cultura & Conceito havia sido cancelado por causa da chuva que caía desde a madrugada, decido realizar mais uma edição do projeto "Expedições fotográficas aos vilarejos do bairro Jaraguá", desta vez ao seu Centro histórico.
Flores Casa Blanca, a floricultura mais tradicional do bairro Jaraguá
Flores Casa Blanca, a floricultura mais tradicional do bairro
Antes de partir, recordo-me de ter lido no livro "Meu bairro, minha cidade", editado pela Prefeitura de São Paulo, que a residência onde atualmente está instalada a floricultura Flores Casa Blancano Centro do distrito, é tão antiga que a Marquesa de Santos teria se hospedado ali por uma ou mais noites no passado longínquo.

Ora, a Marquesa de Santos (também chamada de Domitila de Castro Canto e Melo) para quem não sabe foi a mais célebre amante de Dom Pedro I, o qual foi imperador do Brasil no período de 1822 a 1831. A fim de apurar esta história muito louca, vou direto para esta floricultura onde sou recebido por Alex Onoda, 40, e seu pai Mário Onoda, 67, que dirigem o estabelecimento desde 1993.
Mário e Alex Onoda, os donos da Flores Casa Blanca
Mário e Alex Onoda, os donos da Flores Casa Blanca
- Tanto o terreno como esta casa pertencem à família Azambuja. Todo este espaço é alugado - Alex me informa. Os Azambuja eram donos de uma chácara que ia desde a estação Jaraguá até a Vila Aurora - ele diz.

- E com qual finalidade essa residência foi construída? - pergunto.

- Ah, era para servir de hospedaria para quem estava em viagem desde o Centro de São Paulo com destino ao interior do estado.

Conto um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete cômodos. Fico um tempo imaginando como seria dormir naquele lugar em meio a vegetação espessa, sem nenhuma televisão, rádio ou internet e, muito provavelmente, sem energia elétrica.


De hospedagem para viajantes à floricultura, uma casa histórica do bairro
De estalagem para viajantes à floricultura, uma casa histórica do e para o bairro
Vista para a avenida Jerimanduba na janela de um dos cômodos da floricultura
Vista para a avenida Jerimanduba na janela de um dos cômodos da floricultura
- Você saberia dizer em que ano ela foi levantada? - tento saber.

- Olha, a gente não tem muita certeza. Achamos que ela foi construída por volta de 1900 ou 1910 - conta Alex.

Aqui minha investigação chega a um ponto crucial, pois a Marquesa de Santos nasceu em dezembro de 1797 e faleceu 69 anos depois, em novembro de 1867. Daí que, sendo desta forma, seria impossível que ela houvesse se hospedado naquela casa que passou a existir somente no século seguinte.

Depois de desmascarar a prefeitura e seu livro dessa forma, sinto-me por um breve momento como o Mister M do Jornalismo. Porém, mesmo que a Marquesa não tenha se hospedado ali, aquela residência tem uma beleza fora do comum, não apenas porque ali está localizada uma floricultura, mas porque ela é uma relíquia do bairro.



- Esta foi a primeira construção de alvenaria do Jaraguá - diz Alex.

- Mas a primeira construção não teria sido o Casarão do Afonso Sardinha, que está instalado dentro do Parque Estadual do Jaraguá desde 1580? - questiono.

- Sim, aquela é a primeira casa, só que ela não foi feita de alvenaria. Ela foi produzida com a técnica de taipa de pilão que emprega barro, argila e outros materiais aglutinados. Agora esta aqui foi a primeira fabricada com tijolos e argamassa - Alex me dá uma aula.


Vista da parte de trás da Flores Casa Blanca
Vista da parte de trás da Flores Casa Blanca
Posição do Centro histórico dentro do bairro Jaraguá
Posição do Centro histórico dentro do bairro Jaraguá
- Se essa casa tem mais de 100 anos de existência como você me diz, vocês provavelmente já fizeram algumas reformas por aqui, não?

- Nós retiramos o telhado antigo cujas telhas haviam sido feitas literalmente "nas cochas" de escravos, pois elas estavam cheias de cupins, e as substituímos por estas de amianto.

- Nessas duas décadas de trabalho aqui, o que foi mais impressionante para você? - pergunto.

- Para mim é o fato de essa floricultura ter se tornado uma referência no bairro. Mas se você me perguntasse o que mais me emociona, eu diria que é o fato de que oito pessoas e suas famílias dependem desse negócio para sobreviverem. Dar emprego para oito famílias é uma coisa muito gratificante para mim.

O papo estava bom. Eu poderia ficar o dia inteiro ali fazendo descobertas, contudo, precisava visitar outros lugares e completar minha expedição. Despeço-me de Alex e do Mário, depois subo a rua Teófilo Azambuja e entro no EMEF  Brigadeiro Henrique Raymundo Dyott Fontenelle onde estudei da primeira até a sétima série.


As portas do refeitório, ao fundo, são as mesmas de 30 anos atrás
As atuais portas do refeitório do Fontenelle, ao fundo, são as mesmas de 30 anos atrás
Observo as quadras, que há mais de cinco anos são cobertas e que, nos tempos em que eu estudava lá, as torcidas bradavam o famoso bordão "Passou, passou, passou um avião, e nele estava escrito 'O Fontenelle é campeão'!". Lembro dos professores e de muita gente que estudou comigo neste lugar, dos jogos de vôlei e futebol, das cantorias sem fim do hino nacional, das aulas de história e ciências, de matemática e português, e da sala de leitura, onde eu adorava ler os livros com múltiplos finais e as obras de Júlio Verne.


A atual geração de estudantes do Fontenelle tem o privilégio de poder contar com duas quadras cobertas
A atual geração de estudantes do Fontenelle tem o privilégio de
poder contar com duas quadras cobertas
Na sequência, paro por alguns minutos na porta do refeitório, que está fechada. É a mesma porta de 30 anos atrás. Olho pelos vãos, que quase sempre estiveram sem vidros. Me recordo das favas, que eram curiosas sementes envelopadas que caíam de algumas árvores ao redor da escola. Nós alunos as tirávamos dos seus envelopes e as usávamos para arremessar umas contra as outras em um jogo improvisado sobre a superfície das mesas daquele pátio.


O pátio onde nós alunos encenávamos peças de teatro e tomávamos o flúor
O pátio onde nós alunos encenávamos peças de teatro e tomávamos o flúor
A porta e a janela da cozinha, ao fundo
A porta e a janela da cozinha, ao fundo
Vejo uma pequena escada que dá para os banheiros. Perdi as contas de quantas vezes tomei o flúor naquele exato lugar. Lembro-me que ali também apresentávamos peças de teatro. Uma vez encenamos "A Praça É Nossa". Miro meu olhar para o outro lado. Todas as recordações são muito intensas. Observo a porta e a janela da cozinha. Lembro-me das sopas de legumes, dos bolos, dos sucos. É incrível. É como se tudo aquilo que aconteceu há três décadas estivesse acontecendo na minha frente agora. Recordo, por fim, de estar próximo da porta da cozinha e dali arremessar um ovo cozido na cabeça de alguém que estava no terreno de terra batida do outro lado e, depois, de ser levado pelo inspetor Ney até a porta da sala da diretora, que almoçava. Me lembro da minha preocupação com a situação e do Ney que, ao ver as lágrimas nos meus olhos, teve compaixão e me liberou do infortúnio me mandando para a sala de aula. Puxa, que recordações surpreendentes!

Saio do Fontenelle com o coração não mão e dou de cara com as torres do Bosque Jaraguá. Continuo a exploração do lugar. Passo pelo Instituto Secular das Catequistas Missionárias de São Francisco de Assis, na rua Gertrudes Jordão, onde me tornei um exímio datilógrafo, com o auxílio de uma freira, em 1991. Passo também pela Matriz Paroquial Nossa Senhora da Conceição.

Vou até a rua Pascoal Montanha, que se eleva a até aproximadamente 820 metros acima do nível do mar e de onde é possível observar a Vila Pirituba e além. Depois, sigo para o viaduto e termino o passeio fotográfico na estação Jaraguá de trens.


Rua Pascoal Montanha, quase fronteira do Jaraguá com o bairro de Pirituba, que fica a apenas duas ruas adiante
Rua Pascoal Montanha, quase fronteira do
Jaraguá com o bairro de Pirituba, que fica
a apenas duas ruas adiante
Vista a partir da rua Pascoal Montanha
Vista a partir da rua Pascoal Montanha
Diploma do Instituto Secular das Catequistas Missionárias de São Francisco de Assis que, em 1991, me nomeava como "datilógrafo profissional"
Diploma do Instituto Secular das Catequistas Missionárias de
São Francisco de Assis que, em 1991, me nomeava como
"datilógrafo profissional"

Instituto Secular das Catequistas Missionárias de São Francisco de Assis
Instituto Secular das Catequistas Missionárias de São Francisco de Assis
Igreja Matriz Paroquial Nossa Senhora da Conceição
Igreja Matriz Paroquial Nossa Senhora da Conceição


A igreja Matriz com o Pico do Jaraguá encoberto. Eis porque os índios chamavam essa montanha de "Deus da nuvem branca"
A igreja Matriz com o Pico do Jaraguá encoberto. Eis porque os índios
chamavam essa montanha de "Deus da nuvem branca"
Estação Jaraguá de trens da CPTM
Estação Jaraguá de trens da CPTM
A estação Jaraguá conserva a sinalização que ficou obsoleta depois da inauguração do viaduto na primeira década do ano 2000
A estação Jaraguá conserva a sinalização que ficou obsoleta depois
da inauguração do viaduto na primeira década do ano 2000
Mais tarde, depois de voltar para casa, produzo o texto intitulado "12 imagens de satélite revelam evolução do Centro do bairro Jaraguá" que publico dois dias depois neste blogue e o qual completa este artigo com informações muito interessantes sobre o núcleo deste distrito que, com seus mais de 200 mil habitantes, mais se parece com uma cidade.

Sobre o Autor:
Marinaldo Gomes Pedrosa Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976.

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