Expedição fotográfica ao Jardim Bandeirantes

Torres misteriosas cortam o horizonte do bairro Jaraguá e os seus moradores não sabem explicar de onde vieram, quem as construiu e/ou para que servem. Três delas estão baseadas em um elevado de 960 metros de altitude no Jardim Bandeirantes e podem ser vistas a quilômetros de distância. É para lá que vou na tarde do dia 8 de outubro de 2016 em mais uma edição do projeto "Expedições fotográficas aos vilarejos do bairro Jaraguá".

Torres do Jardim Bandeirantes, bairro Jaraguá, São Paulo
Torres do Jardim Bandeirantes, bairro Jaraguá, São Paulo
Antes, porém, de desvendar o mistério das torres, pretendo conhecer melhor o Jardim Bandeirantes. Logo, entro no lugar pela rua João Aires, onde está instalado o EMEF Estação Jaraguá e em cujo número 238 há um galpão guardado por Artur Alves de Faria Filho, 50 anos, nascido em Itabuna, Bahia, e morador da Brasilândia.

Filho me conta que é profissional autônomo e que trabalha ali junto com mais cinco pessoas. Ele diz que coleta papelão, plástico, ferro e outros materiais nas ruas e nos condomínios do Jaraguá e os leva para o galpão, onde separa os itens e os encaminha para outras empresas.

Posição do Jardim Bandeirantes dentro do bairro Jaraguá
Posição do Jardim Bandeirantes dentro do bairro Jaraguá

Fundos do galpão onde Filho trabalha
Fundos do galpão onde Filho trabalha
Parte frontal do galpão usado atualmente para separação de materiais
Parte frontal do galpão usado atualmente para separação de materiais
- Separamos o plástico, por exemplo, e levamos para uma empresa na rodovia Anhanguera que o transforma em grãos de plástico, que serve de matéria-prima para novas embalagens - ele me informa.

- Esse terreno é seu ou da prefeitura? - pergunto.

- Isso aqui é do governo. Eles cederam essa área em comodato por 20 anos para o meu patrão, que fundou aqui uma cooperativa que funcionou por alguns anos.

- E por que não funciona mais?

- Eu não sei se você percebeu, mas nós temos uma caldeira. Ali nós cozinhávamos e derretíamos as caixas Tetra Pak de leite para fazermos telhas e isso gerava um odor que se espalhava para a vila. A vizinhança não curtiu, fez um abaixo-assinado e trouxe a prefeitura aqui, que interditou a cooperativa. Desde então, eu passei a usar o lugar apenas para separar materiais. Agora, há algumas pessoas que querem instalar aqui um centro cultural.

Interior do galpão. As telhas feitas com material Tetra Pak reciclado resistiram às intempéries nos  primeiros anos, mas agora precisam ser substituídas
Interior do galpão. As telhas feitas com material
Tetra Pak reciclado resistiram às intempéries nos
primeiros anos, mas agora precisam ser substituídas
- Que ótimo! - digo.

- Não, mas isso não é bom - Filho diz - o centro cultural que querem instalar aqui é de Umbanda e isso eu não quero. Eu queria que esse lugar fosse usado para construir uma creche. Esse é o meu desejo - ele conta.

Passo um bom tempo ouvindo as histórias de Filho, que também faz comentários sobre a estação Jaraguá de trens, localizada bem atrás do galpão, e sobre a pequena favela que está se formando no terreno da CPTM, entre outros assuntos. Enquanto ele fala, eu me lembro do artigo 12 imagens de satélite revelam a evolução do Centro do bairro Jaraguá, que havia publicado em agosto, no qual abordo o assunto.

Próximo ao galpão de Filho encontro-me com Edileuza Ancelmo, 71 anos, nascida na cidade de Pesqueira, em Pernambuco, e moradora do Jardim Bandeirante há 53 anos.

- Eu já saí daqui para morar em outros lugares umas oito ou dez vezes, mas sempre voltei. Eu só me acho aqui! - exclama.

Edileuza mora em uma casinha na rua Arroio das Flores, no alto de uma colina. Na fachada há pequenas plantas e árvores, cujas sementes e frutos os pássaros gostam de beliscar.

- O que lhe atrai nesse lugar? - tento saber.

- Eu gosto da paisagem, gosto do Pico do Jaraguá, que posso ver daqui do meu quintal. Quando vim para cá há mais de cinco décadas com a minha irmã e dois sobrinhos só tinha cinco ou seis casas aqui e ali - conta Edileuza. O trem só passava duas vezes. Ele vinha de manhã, lá pelas 7 horas, de Francisco Morato. E depois, à tarde, por volta das 16 horas, ele voltava da estação da Luz. Eram só essas duas composições. Quem perdesse o trem da volta tinha que vir a pé desde Pirituba, pois os demais trens naquela época só iam até Pirituba e, de lá para cá, não tinha ônibus, não tinha nada. Hoje mudou tudo. Tem muita gente, gente até demais, mas mesmo assim aqui ainda é muito gostoso. Tem uns noia, mas é tranquilo.

Quadrinha do Band
Quadrinha do Band
Há mais ou menos uns 100 metros da casa de Edileuza, na rua Alto do Rio Bravo, há uma pequena quadra de futebol, que as crianças utilizam para brincar. Ali encontro os jovens Lucas Bolfarini, Luis Henrique e Tauani Ketelen.

- Nós chamamos aqui de Quadrinha do Band - diz Henrique.

- Essa quadra é suficiente para vocês se divertirem? - pergunto.

- Seria legal se aqui tivesse um parque - diz Tauani.

- Eu ia gostar se instalassem uma academia a céu aberto - diz Bolfarini.

- Por aqui tem algum lugar que as pessoas usam para caminhar e correr?

- Tem sim, esta rua mesmo - revela Henrique.

- As pessoas sempre treinam nessa rua pela manhã e pela tarde - conta Bolfarini.

Rua Alto do Rio Bravo, usado pelos moradores locais para atividades de corrida e caminhada
Rua Alto do Rio Bravo, usado pelos moradores locais
para atividades de corrida e caminhada
Mais tarde eu confirmaria os dizeres dos jovens quando passara ali novamente e vira algumas pessoas praticando corrida e caminhada. Percebi que a rua é arborizada. Ela é plana em uma parte e possui uma leve subida na outra. As curvas são suaves. De uma ponta a outra são 500 metros de distância, o que significa que um atleta amador percorre ali 1 Km em um percurso ida e volta. O limite de velocidade para automóveis é de apenas 20 Km/h e o tráfego de carros é muito baixo, o que faz da via um lugar bem tranquilo. Não é o local ideal para praticar exercícios físicos mas, como se diz na gíria, "é o que tem pra hoje!". Eu mesmo fiquei com vontade de correr lá. Talvez eu faça isso um dia.

Pergunto à Tauani, ao Bolfarine e ao Henrique se eles conhecem algum morador antigo da região e eles me indicam o Cosmão, que mora há dez casas de onde estamos.

Quando chego à residência de Cosmão descubro que seu nome verdadeiro é Cosmo Pequeno.

- Me chame de Cosme - ele pede.

Gracinha, Tauani, Cosme e Cida, moradores do Jardim Bandeirantes
Gracinha, Tauani, Cosme e Cida, moradores
do Jardim Bandeirantes
Cosme possui 53 anos, todos eles vividos no Jaraguá. Ele está acompanhado da esposa, Maria Aparecida (a Cida), 50 anos, de sua irmã Graça do Nascimento (a Gracinha) e da Tauani, que talvez tenha ficado curiosa com o meu trabalho e veio ouvir as histórias que poderiam sair daquela conversa.

- O que você sabe sobre as torres que ficam no topo desse morro? - questiono.

- Elas foram instaladas por volta de 1988 para dar suporte à comunicação da rede ferroviária. Esse era o propósito original. Mas hoje há também antenas de celular ali - revela.

Assim que Cosme menciona a rede ferroviária, nós passamos automaticamente a falar sobre os vários problemas da estação Jaraguá. Recordamo-nos dos tumultos gerados por atrasos, da época dos surfistas de trem, dos atropelamentos no cruzamento da via férrea com a via automobilística, da construção do viaduto. Para se ter uma ideia do quão longe fomos, eu chego a mencionar acidentes ferroviários ocorridos na primeira década do bairro.

- Como era o distrito nas décadas de 1960 e 1970? - pergunto na sequência.

- Todas as ruas eram de barro. Aqui só tinha uma via asfaltada, que era a avenida Jerimanduba. Eu estudava no Isabel, que foi a primeira escola do bairro. Lembro que eu ia ao colégio de carroça ou de cavalo. Eu tinha um cavalo chamado Relâmpago, que chegava morto de cansado lá. Deixava ele amarrado em uma árvore e ia estudar. Tínhamos aulas de Matemática, Português, Inglês, Francês, Música e OSPB. O colégio era um barracão, não era de alvenaria como é hoje. Eu estudava à noite. Entrava às 19h e saía às 23h. Como era o tempo da ditadura, todo mundo que estivesse na rua depois das 22h era considerado "bandido". Depois das 22h eu só podia sair se estivesse usando o avental com o emblema do colégio. Nesse retorno para casa fui parado diversas vezes pela polícia, que trafegava pelas ruas naqueles fusquinhas que chamávamos de "baratinha".

- O cavalo Relâmpago não era muito rápido - graceja Cida.

- Vocês iam à escola de carroça e de cavalo, mas hoje trabalham com transporte escolar. Como é isso?

- Trabalhamos com isso há 14 anos. Somos conhecidos como Tia Cida e Tio Cosme - conta Cida.

Descubro que os dois atuam dentro do Programa de Transporte Escolar Municipal Gratuito. Nessa condição, a prefeitura os paga por aluno transportado. Eles transportam em média 80 alunos por dia.

A conversa estava muito boa. Eles me contaram diversas histórias, inclusive uma sobre um tal Paulo Bota, que vivia na primeira casa de alvenaria do bairro, do qual Cosme tinha medo, pois achava que se transformava em lobisomem. Eu gostaria de ouvir mais, porém, já tinha a dica que queria sobre as torres e precisava ir. No fim, Cosme me ensinou como chegar à elas.

Subi a rua Dr. Campos Mello onde há uma passagem estreita em um terreno vazio entre uma casa e outra. Além da passagem há uma escadaria com mais de 200 degraus, que levam às torres.

Torres do Jardim Bandeirantes
Torres do Jardim Bandeirantes
A vista do alto do morro onde estão instaladas as torres no Jardim Bandeirantes é privilegiada, por isso, muita gente faz dali um ponto turístico informal
A vista do alto do morro onde estão instaladas as torres no Jardim Bandeirantes é privilegiada,
por isso, muita gente faz dali um ponto turístico informal
Vista do Pico do Jaraguá e do Pico do Papagaio a partir do elevado do Jardim Bandeirantes
Vista do Pico do Jaraguá e do Pico do Papagaio a partir
do elevado do Jardim Bandeirantes
No topo do elevado de 960 metros de altitude (o mesmo que comento no primeiro parágrafo deste texto) encontro várias pessoas que fazem dali um ponto turístico informal. Do lugar avista-se os dois picos do bairro Jaraguá de um lado e as edificações de Pirituba e de outros bairros de São Paulo do outro.

As torres são cercadas por um muro alto. Pelas frestas dos portões eu posso ver que há uma casa lá dentro. Fecho a mão e bato devagar em um portão pequeno. Chamo por alguém. Não demora e um homem chamado Manoel Abílio Vasconcelos aparece. Ele possui 60 anos e é natural de Caruaru, Pernambuco. Vive há 26 anos em Francisco Morato e trabalha há seis anos como caseiro e segurança das torres. Eles diz que saiu de Caruaru porque "lá é ruim 'pro' trabalho".

- Aqui eu trabalho em um turno de 12h por 12h. Eu reveso com outros caseiros. Trabalhamos em todos os dias úteis e também nos feriados, inclusive no Natal e Ano Novo - diz.

- E o que o senhor me diz sobre essas torres? (vide vídeo a seguir)


- Aquela mais fina foi a primeira a ser instalada, há mais ou menos 30 anos. Essa mais alta foi instalada no ano passado (em 2015), só que não tem nada nela ainda. Você pode ver que ela está limpa. Não tem nenhum aparelho. E essa mais baixa e mais robusta eu não sei quando foi instalada não.


- E a quem elas pertencem?

- A mais antiga é do Centro de Controle Operacional (CCO) da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). As demais eu não sei dizer, mas são provavelmente antenas de empresas de comunicação de telefonia celular.

- Como aqui é um lugar bastante alto, imagino que caiam muitos raios nessas torres. Isso não lhe assusta? - tento saber.

- Olha, nesse tempo todo que estou aqui não percebi nenhuma queda de raio nessas torres. Eu não tenho medo deles não. Eu só fico com medo é das tempestades com vento muito forte. Quando isso acontece, essas torres fazem muito barulho, fica aquela zoeira. Eu tenho medo que elas caiam. Eu entro lá para dentro da casa e fico bem encolhido lá - revela.


Vista do Pico do Jaraguá a partir da rua do Pôr do Sol
Vista do Pico do Jaraguá a partir da rua do Pôr do Sol
Beco com saída para a estrada de Taipas, no qual finalizo minha expedição fotográfica ao Jardim Bandeirantes
Beco com saída para a estrada de Taipas, no qual finalizo minha expedição
fotográfica ao Jardim Bandeirantes
Satisfeito com as informações, me despeço do Vasconcelos. Em seguida, desço o elevado pela rua do Pôr do Sol. Lá embaixo, em um beco com saída para a estrada de Taipas, termino minha expedição fotográfica ao Jardim Bandeirantes.

Sobre o Autor:
Marinaldo Gomes Pedrosa Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976.

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