Os líquens do Parque Estadual do Jaraguá: indicadores naturais da qualidade do ar

Ao visitarmos o Parque Estadual do Jaraguá (PEJ) e observamos os troncos das árvores e as superfícies de pedras destacam-se uma série de manchas acinzentadas, esverdeadas e avermelhadas que nos causam uma imensa curiosidade. Muitas pessoas pensam que se tratam de alguma patologia ou parasita que prejudica as árvores, no entanto, essas estruturas são seres vivos conhecidos como líquens.

Os líquens sobrevivem nos troncos das árvores e nas pedras do PEJ. Foto: acervo Natasha Ceretti
Os líquens sobrevivem nos troncos das árvores e nas pedras do PEJ. Foto: acervo Natasha Ceretti

Você sabe o que são líquens?

Líquens são seres vivos muito especiais formados da união de dois seres diferentes, que obtêm vantagens dessa união. Esse tipo de relação ecológica é conhecido como simbiose. Os líquens são, dessa forma, associações mutualísticas entre algas e fungos. O termo mutualismo vem do fato da associação criar uma dependência mútua entre os seres envolvidos.

Os fungos que formam os líquens são, em sua grande maioria, ascomicetos (98%). As algas envolvidas são clorofíceas ou cianobactérias. A grande parte do corpo do líquen é formado pelo fungo.

O corpo do líquen é chamado de talo e pode ter variadas cores em tons de cinza, verde, amarelo e vermelho. Observe, a seguir, algumas amostras fotografadas no PEJ:

Líquen cinza. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen cinza. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen vermelho. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen vermelho. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen verde. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen verde. Foto: acervo Natasha Ceretti
Durante as minhas observações em campo, no PEJ, não observei líquens de coloração amarela alaranjada. Pode ser que isso tenha alguma relação com a sensibilidade destes seres à poluição. Líquens de cor amarela alaranjada são mais sensíveis e mais difíceis de ser observados em parques urbanos (onde há mais poluição do que em parques não urbanos).
É essencial dizer que aproximadamente 13.500 espécies de líquens ocupam habitats bastante diversos. Eles podem viver em superfícies de rochas, folhas, troncos de árvores e no solo. São as primeiras formas de vida a colonizar solos e pedras porque só necessitam de luz, água e alguns sais minerais para sua sobrevivência. Eles possuem a capacidade de viver em locais de alto estresse ecológico.

Os líquens possuem um importante papel ecológico, pois secretam ácidos orgânicos que quimicamente desgastam rochas e acumulam nutrientes necessários para o crescimento das plantas. Eles são formadores de solos.

De acordo com as formas do corpo do fungo existem três tipos de líquens, são eles:
  • Foliosos: são parecidos com folhas;
  • Crustosos: semelhantes a crostas que só podem ser removidos juntamente com a casca da árvore;
  • Fruticosos: com formato de pequenas árvores ou arbustos ramificados.
Veja agora alguns exemplares de líquens foliosos e crustosos que encontrei no PEJ:
Líquen folioso. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen folioso. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen crustoso. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen crustoso. Foto: acervo Natasha Ceretti
Não observei amostras de líquens fruticosos no PEJ, pois estes - assim com os líquens de cor amarela alaranjada - são mais sensíveis a poluição.


Os líquens como bioindicadores da qualidade do ar

Os líquens são organismos extremamente sensíveis a alterações ambientais. São os melhores bioindicadores conhecidos de poluição de uma área.

Um bioindicador é um organismo ou uma comunidade que responde a contaminação de substâncias nocivas por meio de alterações em suas funções vitais ou pela acumulação dessas substâncias, o que fornece informações sobre o meio onde ele se encontra.

A presença de líquens sugere baixo índice de poluição, enquanto que seu desaparecimento sugere agravamento da poluição ambiental. Como há líquens que são mais e outros que são menos resistentes a poluição (como indicado ao longo desse texto), a presença de alguns tipos mais resistentes e a ausência de outros mais sensíveis nos permite medir gradualmente a poluição de um determinado local e, assim, compará-lo com outros locais.

Herpthallon rubrocinctum. Anteriormente chamado de Cryptothecia rubrocincta (mais comum no PEJ). Foto: acervo Natasha Ceretti
Herpthallon rubrocinctum.
Anteriormente chamado de Cryptothecia rubrocincta (mais comum no PEJ).
Foto: acervo Natasha Ceretti
Os líquens são indicadores da poluição atmosférica ácida, em particular pelo dióxido de enxofre (SO2), o maior contribuinte da chuva ácida. Embora o SO2 possa ocorrer naturalmente na atmosfera, é um poluente que resulta da queima de combustíveis fósseis utilizados em diversos processos industriais e dos gases liberados pelos escapes dos veículos. Trata-se de um gás incolor, irritante para as mucosas, podendo em concentrações elevadas provocar efeitos agudos e crônicos na saúde humana ao nível cardiovascular e respiratório.

Segundo dados de um levantamento realizado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, mais de 11,2 mil pessoas morrem todos os anos no Estado de São Paulo por problemas de saúde agravados pela alta quantidade de poluentes no ar. Só na cidade de São Paulo, mais de 3 mil mortes serão causadas neste ano por problemas de saúde agravados especificamente pelas emissões de poluentes da frota de ônibus a diesel.

Essa sensibilidade às variações dos teores de SO2 está sendo a principal causa da regressão e do desaparecimento de diversas espécies de líquens em várias regiões urbanas e industrializadas. A presença ou ausência de uma determinada espécie de líquen dá indicações sobre os níveis de SO2 do local.

É importante lembrar que o PEJ sofre com as pressões da urbanização do entorno e com a proximidade de rodovias.
Ao longo do parque destacam-se líquens de uma coloração avermelhada, trata-se da espécie Herpthallon rubrocinctum anteriormente denominada Cryptothecia rubrocincta. No início da trilha do Pai Zé há uma placa informando que este tipo de líquen pode ser observado ao longo do percurso. Também está explicitado que são utilizados em alguns países como biomonitores de poluição do ar. A placa está com o nome da espécie desatualizado. Devido a novas  pesquisas, ela foi reclassificada e agora está descrita na literatura científica como Herpthallon rubrocinctum. A nomenclatura biológica não é estática, ou seja, ela muda conforme novas descobertas sobre as características de um organismo acontecem. Além disso, para o grupo de Estudos de Liquenologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) ainda não há comprovação científica de que esta espécie em específico pode ser utilizada como bioindicadora de poluição atmosférica.

Placa na trilha do Pai Zé. Foto: acervo Natasha Ceretti
Placa na trilha do Pai Zé. Foto: acervo Natasha Ceretti
Um aspecto relevante é que embora o Brasil possua grande diversidade de líquens em função da sua diversidade climática e estes organismos sejam uma referência mundial como bioindicadores de poluição ambiental, o estudo da liquenologia ainda é uma das áreas mais carentes em pesquisadores dentro da botânica brasileira. Muito há que se estudar em relação aos líquens do nosso país.

Para finalizar, outra coisa interessante que pode ser observada nos troncos das árvores é que, além dos líquens, é possível ver musgos que formam “tapetes verdes” e bromélias principalmente as da espécie Tillandsia usneoides popularmente conhecida como barba-de-velho. Os musgos possuem uma grande importância ecológica, pois reduzem processos erosivos, atuam como reservatório de água e nutrientes, oferecem abrigo para microrganismos e são “viveiros” para outras plantas.

Líquen, musgo e bromélia. Foto: acervo Natasha Ceretti
Líquen, musgo e bromélia. Foto: acervo Natasha Ceretti
Quando você olhar da próxima vez para um tronco de uma árvore lembre-se da quantidade e da diversidade de vidas que ele abriga. Uma floresta é uma infinidade de mundos interdependentes. O que afeta um, afeta todos!

Sobre a autora:
Natasha Ceretti Maria Natasha Ceretti é mestre em Ciências (Saúde Ambiental) e doutoranda em Ciências pela FSP-USP. É bióloga pela UniSão Camilo.

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