O secretário de Comunicação da Unicamp, Prof. Dr. Peter Schulz, e os profissionais da equipe de Arquivo da Rádio e TV (RTV) Unicamp, Cristina Toledo e Almir Bonwoart, cederam a mim (o jornalista Marinaldo Gomes Pedrosa) uma cópia do documentário "O incrível senhor Blois (1984)" - produzido por Tunico Amancio e dirigido por Nuno César Abreu (1948-2016) com apoio da Embrafilme - para publicação no canal de vídeos do Jaraguá SP Post, no YouTube.
A publicação do documentário no referido canal foi autorizada tanto pela Secretaria de Comunicação da Unicamp (SEC) - cuja marca d'água está presente no vídeo - quanto pelo produtor Amancio e pelo filho do diretor Nuno, o Marcos César Almeida (representante da família Abreu).
bairro Jaraguá, periferia de São Paulo, entre as décadas de 1950 e 1990. É citado em matérias publicadas pela grande imprensa como funcionário do Instituto Brasileiro do Café, mas era muito mais do que isso. Ele possuía múltiplas habilidades. Era torneiro, radiotécnico e radiotelegrafista. Sabia criar aves e coelhos. Já no campo das artes foi saxofonista, carnavalesco, pintor e miniaturista.
"Eu me lembro da simpatia dele", diz Paulo Angelim (64), vizinho e amigo de Blois nas décadas de 1960 e 1970, tempo em que as ruas locais eram de barro e em que boiadas com centenas de animais eram tocadas desde cidades do interior paulista como Campinas, passavam pelo Coreto de Taipas, estrada do Corredor e estrada de Taipas onde vivia o artista, atravessavam a via férrea da Estação Jaraguá e sumiam na imensidão da esverdeada paisagem rumo ao Frigorífico Armour localizado em Pirituba, "ele era uma pessoa muito querida", continua Angelim, "produzia a decoração de carnaval do salão social do Jaraguá Futebol Clube. Era um sonho aqueles bonecos, um trabalho carnavalesco mesmo. E tinha os painéis que ele fazia. As pinturas, os motivos de carnaval. Eu gostava de ir à casa dele e de vê-lo trabalhar naquelas obras. Ele também conseguia pintar o Pico do Jaraguá em superfícies minúsculas", surpreende-se.
De acordo com matéria postada no blogue "A Arte Humaniza" produzida por Rosa Bastos e originalmente publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, em 1984, entre as obras de arte produzidas pelo miniaturista encontram-se um ateliê de 1387 peças montado dentro de uma caixa de 40 centímetros quadrados; uma composição da história de Ali Babá e os 40 ladrões dotada de uma caverna que abre, fecha e ilumina-se produzida dentro de uma caixa de rádio; composições diversas com peças e luzes minúsculas que se movem eletricamente dentro de caixas e garrafas. O artista chegou a expor composições na Galeria Prestes Maia e - de acordo com verbete da Enciclopédia Itaú Cultural - no Salão Paulista de Belas Artes.
É em parte devido à sua paixão pela produção de arte em miniatura que o apelido "incrível" foi-lhe conferido no título do filme que você irá assistir em breve. De fato, algumas pessoas jamais conseguiram crer que Blois realmente montava os cenários que elas viam diante de seus olhos, muitos dos quais com centenas e às vezes milhares de objetos pequeníssimos (cadeiras, mesas, pilhas, quadros, chinelos, vasos, cortinas, louças, tubos de pasta de dente, etc.) tudo dentro de uma garrafa ou de uma caixa pequena. Essas pessoas sempre achavam que as miniaturas eram montadas primeiro e que a garrafa era colocada depois. O artista, no entanto, retrucava dizendo que o calor da produção do vidro derreteria as peças. E ele tinha razão.
Blois era capaz de editar frases na cabeça de um alfinete. Em uma delas, que tinha o espaço de 1,5 milímetros, escreveu "Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira", feito que podia ser visto apenas com a ajuda de uma lupa. Seu pincel era nada mais que uma sobrancelha partida ao meio, que ele mergulhava em uma tinta super diluída. Em dado momento de sua carreira, depois de ter sido picado por uma pulga que (no impulso de esfrega-la) o fez estragar um quadro, resolveu que escreveria também nas costas desses animais. Estampou em uma delas o nome do inseticida "Super Flit" e, em 1956, a exportou e vendeu para a empresa norte-americana Standart Oil Company por US$ 60,00. Essa foi uma de muitas vendas do tipo.
Em 1968, porém, seu comércio de pulgas o levou a uma situação totalmente inesperada. No dia 5 de agosto daquele ano, o artista colocou um anúncio em um jornal matutino paulista com os dizeres "Pulga Morta. Vende-se uma. Cartas para Blois. Estrada de Taipas, 59, Jaraguá. EFSJ. São Paulo Capital", o qual foi visto pelos policiais do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, que investigavam o caso do assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí (protagonizado pelo hoje político Aloysio Nunes e comparsas) ocorrido entre Pirituba e Jaraguá no dia 9 do mesmo mês. Os investigadores pensaram que o anúncio de Blois se tratava de alguma mensagem codificada da quadrilha de assaltantes e bateram à porta do artista, prenderam-no e o interrogaram.
Tão logo, porém, a situação foi esclarecida, o miniaturista foi libertado, mas levou um tempo para se recuperar, "eu era muito infantil naquela época para observar com profundidade o comportamento psíquico de uma pessoa", recorda o amigo Angelim, "mas percebi que ele ficou mais quieto depois do incidente com o DOPS. Acho que até a produção dele caiu um pouco. Mas logo ele superou e eu passei a vê-lo mais vezes nas ruas conversando com as pessoas".
Não era, contudo, apenas com pessoas que o miniaturista conversava. Ele dizia que ao longo de sua vida havia tido inúmeros encontros com extraterrestres e que chegou a socorrer um deles que passava mal na escadaria do Viaduto do Chá, no Centro de São Paulo. Segundo Blois, houve um alienígena que lhe ensinou o segredo do número três, o qual ele relacionou ao jogo de dominó, cujas pedras passou a usar para adivinhar o futuro por meio de "cálculos matemáticos".
Atualmente, a memória de Blois continua viva no bairro Jaraguá. Muitas de suas obras estão guardadas com seus descendentes e outras estão mantidas em uma estante na sala da diretoria de uma escola que leva seu nome no distrito.
Tão excepcional quanto este miniaturista jaraguense é o documentário "O incrível senhor Blois", que venceu os prêmios de "Melhor Filme", "Melhor Diretor", "Melhor Montagem", "Melhor Trilha Sonora" e "Melhor Técnico de Som" (nada menos do que cinco dos sete prêmios do júri oficial) no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 1984. O filme "voou" longe e, no ano seguinte (1985), foi exibido no Festival de Cinema de Berlim. O próprio diretor Nuno atua no curta-metragem em uma cena em que consulta o jogo de dominó de Blois. Assista agora, na íntegra:
Agradeço também ao produtor Tunico Amancio e ao Marcos César Almeida (filho do diretor e representante da família Abreu) por também autorizarem a publicação deste filme neste canal.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto de Lei nº 1098/2003. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2003.
BASTOS, Rosa. [Oscar Blois]. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1984.
CINECLICK. Conheça os brasileiros que já passaram pelo Festival de Cinema de Berlim. Cineclick, 2008.
CINEMATECA BRASILEIRA. O incrível senhor Blois. São Paulo: Cinemateca.
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Oscar Blois. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
O ESTADO DE S.PAULO. A polícia prende um dos assaltantes. São Paulo: O Estado de S.Paulo, 1968.
SANDRONI, Cícero. Quatro cantos. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 1968.
TRUFFI, Renan. O passado revolucionário de Aloysio Nunes. São Paulo: Carta Capital, 2014.
Sobre o Autor:
A publicação do documentário no referido canal foi autorizada tanto pela Secretaria de Comunicação da Unicamp (SEC) - cuja marca d'água está presente no vídeo - quanto pelo produtor Amancio e pelo filho do diretor Nuno, o Marcos César Almeida (representante da família Abreu).
bairro Jaraguá, periferia de São Paulo, entre as décadas de 1950 e 1990. É citado em matérias publicadas pela grande imprensa como funcionário do Instituto Brasileiro do Café, mas era muito mais do que isso. Ele possuía múltiplas habilidades. Era torneiro, radiotécnico e radiotelegrafista. Sabia criar aves e coelhos. Já no campo das artes foi saxofonista, carnavalesco, pintor e miniaturista.
"Eu me lembro da simpatia dele", diz Paulo Angelim (64), vizinho e amigo de Blois nas décadas de 1960 e 1970, tempo em que as ruas locais eram de barro e em que boiadas com centenas de animais eram tocadas desde cidades do interior paulista como Campinas, passavam pelo Coreto de Taipas, estrada do Corredor e estrada de Taipas onde vivia o artista, atravessavam a via férrea da Estação Jaraguá e sumiam na imensidão da esverdeada paisagem rumo ao Frigorífico Armour localizado em Pirituba, "ele era uma pessoa muito querida", continua Angelim, "produzia a decoração de carnaval do salão social do Jaraguá Futebol Clube. Era um sonho aqueles bonecos, um trabalho carnavalesco mesmo. E tinha os painéis que ele fazia. As pinturas, os motivos de carnaval. Eu gostava de ir à casa dele e de vê-lo trabalhar naquelas obras. Ele também conseguia pintar o Pico do Jaraguá em superfícies minúsculas", surpreende-se.
De acordo com matéria postada no blogue "A Arte Humaniza" produzida por Rosa Bastos e originalmente publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, em 1984, entre as obras de arte produzidas pelo miniaturista encontram-se um ateliê de 1387 peças montado dentro de uma caixa de 40 centímetros quadrados; uma composição da história de Ali Babá e os 40 ladrões dotada de uma caverna que abre, fecha e ilumina-se produzida dentro de uma caixa de rádio; composições diversas com peças e luzes minúsculas que se movem eletricamente dentro de caixas e garrafas. O artista chegou a expor composições na Galeria Prestes Maia e - de acordo com verbete da Enciclopédia Itaú Cultural - no Salão Paulista de Belas Artes.
É em parte devido à sua paixão pela produção de arte em miniatura que o apelido "incrível" foi-lhe conferido no título do filme que você irá assistir em breve. De fato, algumas pessoas jamais conseguiram crer que Blois realmente montava os cenários que elas viam diante de seus olhos, muitos dos quais com centenas e às vezes milhares de objetos pequeníssimos (cadeiras, mesas, pilhas, quadros, chinelos, vasos, cortinas, louças, tubos de pasta de dente, etc.) tudo dentro de uma garrafa ou de uma caixa pequena. Essas pessoas sempre achavam que as miniaturas eram montadas primeiro e que a garrafa era colocada depois. O artista, no entanto, retrucava dizendo que o calor da produção do vidro derreteria as peças. E ele tinha razão.
Blois era capaz de editar frases na cabeça de um alfinete. Em uma delas, que tinha o espaço de 1,5 milímetros, escreveu "Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira", feito que podia ser visto apenas com a ajuda de uma lupa. Seu pincel era nada mais que uma sobrancelha partida ao meio, que ele mergulhava em uma tinta super diluída. Em dado momento de sua carreira, depois de ter sido picado por uma pulga que (no impulso de esfrega-la) o fez estragar um quadro, resolveu que escreveria também nas costas desses animais. Estampou em uma delas o nome do inseticida "Super Flit" e, em 1956, a exportou e vendeu para a empresa norte-americana Standart Oil Company por US$ 60,00. Essa foi uma de muitas vendas do tipo.
Em 1968, porém, seu comércio de pulgas o levou a uma situação totalmente inesperada. No dia 5 de agosto daquele ano, o artista colocou um anúncio em um jornal matutino paulista com os dizeres "Pulga Morta. Vende-se uma. Cartas para Blois. Estrada de Taipas, 59, Jaraguá. EFSJ. São Paulo Capital", o qual foi visto pelos policiais do Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, que investigavam o caso do assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí (protagonizado pelo hoje político Aloysio Nunes e comparsas) ocorrido entre Pirituba e Jaraguá no dia 9 do mesmo mês. Os investigadores pensaram que o anúncio de Blois se tratava de alguma mensagem codificada da quadrilha de assaltantes e bateram à porta do artista, prenderam-no e o interrogaram.
Trecho de matéria divulgada em 16 de agosto de 1968 no jornal Correio da Manhã. |
Não era, contudo, apenas com pessoas que o miniaturista conversava. Ele dizia que ao longo de sua vida havia tido inúmeros encontros com extraterrestres e que chegou a socorrer um deles que passava mal na escadaria do Viaduto do Chá, no Centro de São Paulo. Segundo Blois, houve um alienígena que lhe ensinou o segredo do número três, o qual ele relacionou ao jogo de dominó, cujas pedras passou a usar para adivinhar o futuro por meio de "cálculos matemáticos".
Atualmente, a memória de Blois continua viva no bairro Jaraguá. Muitas de suas obras estão guardadas com seus descendentes e outras estão mantidas em uma estante na sala da diretoria de uma escola que leva seu nome no distrito.
Tão excepcional quanto este miniaturista jaraguense é o documentário "O incrível senhor Blois", que venceu os prêmios de "Melhor Filme", "Melhor Diretor", "Melhor Montagem", "Melhor Trilha Sonora" e "Melhor Técnico de Som" (nada menos do que cinco dos sete prêmios do júri oficial) no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 1984. O filme "voou" longe e, no ano seguinte (1985), foi exibido no Festival de Cinema de Berlim. O próprio diretor Nuno atua no curta-metragem em uma cena em que consulta o jogo de dominó de Blois. Assista agora, na íntegra:
*** Agradecimentos:
Agradeço ao secretário de Comunicação da Unicamp, Prof. Dr. Peter Shulz, e aos profissionais da equipe de Arquivo da Rádio e TV (RTV) Unicamp, Cristina Toledo e Almir Bonwoart, por terem cedido e autorizado a publicação do referido documentário neste canal de vídeos.Agradeço também ao produtor Tunico Amancio e ao Marcos César Almeida (filho do diretor e representante da família Abreu) por também autorizarem a publicação deste filme neste canal.
*** Bibliografia:
ABREU, Nuno César. O incrível senhor Blois. São Paulo: Embrafilme, 1984.ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Projeto de Lei nº 1098/2003. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2003.
BASTOS, Rosa. [Oscar Blois]. São Paulo: O Estado de São Paulo, 1984.
CINECLICK. Conheça os brasileiros que já passaram pelo Festival de Cinema de Berlim. Cineclick, 2008.
CINEMATECA BRASILEIRA. O incrível senhor Blois. São Paulo: Cinemateca.
ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Oscar Blois. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
O ESTADO DE S.PAULO. A polícia prende um dos assaltantes. São Paulo: O Estado de S.Paulo, 1968.
SANDRONI, Cícero. Quatro cantos. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 1968.
TRUFFI, Renan. O passado revolucionário de Aloysio Nunes. São Paulo: Carta Capital, 2014.
Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976. |
A ESCOLA ONDE TRABALHO
ResponderExcluirQue bom!
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