Ao longo dos anos de 2001, 2002 e 2003 uma equipe de arqueólogos da organização
Documento Antropologia e Arqueologia (DAA) financiada pela empresa
Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) realizou um trabalho de levantamento, resgate e análise de artefatos provenientes de três sítios arqueológicos localizados próximos à Riúma Ambiental, no limite entre os bairros
Jaraguá e Perus, na periferia de São Paulo. Ao todo foram encontradas 1.526 peças dos períodos pré-colonial (de antes do descobrimento do Brasil ocorrido em 1.500) e histórico (pós ano 1.500), as quais hoje estão disponíveis para pesquisa na sede da
Fundação Cultural de Jacarehy (FCJ), na cidade de Jacareí.
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Base côncava de vasilha encontrada no Sítio Jaraguá I |
Atualmente, para serem realizados, todos os trabalhos de Arqueologia em território nacional precisam ter autorização do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), uma autarquia do Governo do Brasil vinculada ao Ministério da Cultura que, por sua vez, exige que os projetos contem com uma instituição de apoio, "na época dos trabalhos no Rodoanel Oeste, a FCJ foi a instituição que endossou o projeto", explica a arqueóloga da FCJ, Cláudia Moreira Queiroz, "e como geralmente o material coletado vai para uma das organizações de pesquisa envolvidas de alguma forma no processo, ele foi destinado para cá".
Os artefatos estão guardados dentro de sacos plásticos com fecho zip, que são armazenados em caixas azuis de escritório fabricadas em polipropileno posicionadas em prateleiras no arquivo arqueológico da FCJ. Cada saco possui uma etiqueta que identifica em qual local e nível do solo as peças contidas dentro dele foram encontradas, entre outras informações. Já as caixas são identificadas com o nome do sítio arqueológico correspondente. Todo o material está disponível para visitação do cidadão comum e para estudantes e pesquisadores em geral.
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Arquivo arqueológico da FCJ |
"As pessoas podem vir aqui, se sentar e passar uma semana ou o tempo que quiserem pesquisando", diz Cláudia, "o pessoal da USP, por exemplo, tem feito muitos trabalhos aqui. Eles vêm geralmente para fazer estudos direcionados à cerâmica Tupi-guarani. Nesse contexto, nós temos muitos artefatos provenientes de São Paulo que lhes interessam. Já houve ao menos duas dissertações de mestrado que foram produzidas com base em estudos das cerâmicas que se encontram em nosso arquivo". De acordo com a arqueóloga, os interessados podem até levar microscópios e outros equipamentos que acharem necessários para a análise do material.
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Sala para pesquisas da FCJ |
Em um futuro breve, contudo, os artefatos encontrados no Jaraguá poderão ser transferidos de Jacareí para outro destino. É que o Museu Regional de Arqueologia de Carapicuíba construído pela Dersa em 2013 pelo montante de R$ 2,3 milhões para abrigar as peças encontradas durante as escavações do Rodoanel Oeste, mas inativo desde então por falta de financiamento para um projeto de organização do acervo, poderá finalmente começar a funcionar. Conforme reportagem veiculada pelo jornal Estadão em março de 2017, a Dersa vai destinar 50% da verba proveniente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destinada a construção do Rodoanel Norte para a contratação de uma consultoria que criará um plano museológico para o lugar ao custo total de R$ 472 mil, o que poderá ser concluído em um prazo de nove meses.
Os artefatos arqueológicos encontrados no bairro Jaraguá
O trabalho de levantamento, resgate e análise dos artefatos encontrados durante as obras de escavação para a construção do trecho oeste do Rodoanel gerou o relatório "Projeto Rodoanel Mário Covas trecho oeste: programa de pesquisa e resgate do patrimônio arqueológico, histórico e cultural", um documento de 180 páginas produzido sob a coordenação da arqueóloga e historiadora Erika M. Robrahn-González e do hoje doutor em Arqueologia Paulo Eduardo Zanettini. Esse documento, publicado em dezembro de 2003, dá conta de 41 bens culturais identificados na primeira fase do programa, dentre os quais três sítios arqueológicos no bairro Jaraguá, são eles:
- Sítio Jaraguá I
- Sítio Jaraguá II
- Olaria II
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Equipe de escavação do Sítio Jaraguá I em ação (com pedreira local ao fundo). Foto: acervo Documento Antropologia e Arqueologia |
Ao que nos leva a entender o referido relatório, esses três sítios estão localizados em um raio de cerca de um quilômetro perto da Riúma Mineração e da ponte do Rodoanel que passa por cima da linha ferroviária local.
Na época dos estudos, o acesso aos Sítios Jaraguá I e II foi feito pela primeira estrada com entrada à direita da avenida Raimundo Pereira de Magalhães (para quem vem de Campinas), logo após a travessia do Rodoanel. Essa estrada cujo nome não é mencionado, mas que provavelmente se trata da via Edouard Kirst, é fechada por guarita. Os sítios ficam no alto da colina a que tal rua dá acesso.
Erika e Zenettini informam no relatório que o Jaraguá I é um dos raros sítios cerâmicos pré-colonias identificados em São Paulo. No lugar foram encontrados 887 fragmentos cerâmicos, 86 líticos, 2 metálicos e 15 pedaços de telhas. A base côncava de vasilha cuja imagem abre essa matéria provém de lá.
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Detalhe de fragmento de artefato bifacial de quartzo (Sítio Jaraguá II) |
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Segundo descrição publicada no relatório, este artefato é um "raspador lateral sobre lasca bipolar de quartzo" (Sítio Jaraguá II) |
Enfim, o Sítio Olaria II, que no decorrer dos estudos era acessado a partir de uma via aberta debaixo do viaduto da linha férrea da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) na região, fica a não mais do que 1 quilômetro dos demais sítios do distrito. Foram identificados no local vestígios de várias ocupações humanas, sendo uma delas relacionada à atividade oleira dos anos 1940, uma outra do final do século 19, e mais uma de épocas mais antigas atestada pela presença de itens cerâmicos e fragmentos de sílex.
Ao todo foram encontrados no Sítio Olaria II exatos 19 fragmentos líticos e 3 metálicos, 77 pedaços de telhas e 32 cacos de louças que podem ser dos séculos 18, 19 e/ou 20, além de 335 artefatos cerâmicos, dentre os quais uma representação fálica que, segundo a arqueóloga Cláudia da FCJ, é uma peça que pode ter sido trazida ou produzida por algum escravo negro, "os africanos também trabalhavam com cerâmica. Peças assim eram uma representação para a fertilidade. Há muitas imagens desse tipo nas panelas que eles faziam. E como esse sítio é considerado histórico (pós descobrimento do Brasil), é bem possível que essa seja uma peça de alguma cultura africana", revela.
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Representação fálica produzida em material cerâmico (Sítio Olaria II) |
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Fragmento cerâmico de engobo vermelho (Sírio Olaria II) |
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Fragmento de xícara que nos remete a meados do século 19 (Sítio Olaria II) |
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Garfo metálico (Sítio Olaria II) |
Na conclusão do relatório, os arqueólogos Erika e Zenettini explicam que dos três sítios, os artefatos mais antigos foram encontrados no Sítio Jaraguá I, que segundo eles "corresponde a uma pequena aldeia ceramista pré-colonial", tendo sido datados em 660 anos BP (1.290 d.C.), isto é, mais de dois séculos antes da chegada dos portugueses ao Brasil. O documento não informa qual o tipo de teste de datação realizado nas peças e nem quais dos 1.526 artefatos foram analisados.
Os arqueólogos propõem que esses achados introduzem novos elementos à discussão sobre a ocupação de povos indígenas no Planalto Paulista. Segundo eles, os artefatos do sítio Jaraguá I podem estar associados aos povos pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê. Não obstante, quando na chegada e ocupação dos portugueses nesta região, estes relataram que o lugar era dominado por indivíduos Tupi-guaranis. Ocorre que os dois grupos eram rivais. Vale lembrar que os guaranis denominavam aos que não falavam sua língua como "tapuias" (que significa "bárbaro" ou "inimigo"). Daí que, essa descoberta abriu precedentes para especulações de que indivíduos de outros troncos linguísticos viveram por aqui antes da chegada dos europeus e que, ao longo dos 200 anos anteriores ao descobrimento do Brasil, eles podem ter sido rechaçados pelos Tupi-guaranis para fora dos limites do que hoje conhecemos como cidade de São Paulo.
Bibliografia
AFONSO, Marisa Coutinho.
Arqueologia Jê no Estado de São Paulo. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia, 2016. 30 p.
G1.
Museu concluído há 4 anos continua fechado em Carapicuíba, em SP. São Paulo: G1, 2016. Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/10/museu-concluido-ha-4-anos-continua-fechado-em-carapicuiba-em-sp.html>. Acesso em 13 set.2017.
RIBEIRO, Bruno; LEITE, Fábio.
Dersa usa verba de obra do Rodoanel Norte para concluir museu. São Paulo: Estadão, 2017. Disponível em <http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/por-dentro-da-metropole/dersa-usa-verba-do-rodoanel-norte-para-concluir-museu-ligado-ao-trecho-oeste/>. Acesso em 13 set.2017.
ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika M.; ZANETTINI, Paulo Eduardo.
Projeto Rodoanel Mário Covas trecho oeste: programa de pesquisa e Resgate do Patrimônio Arqueológico, Histórico e Cultural. São Paulo: Dersa, 2003. 180 p.
Sobre o Autor:
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Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976. |
ótima matéria, Marinaldo! Como professor e historiador me ajudou muito!
ResponderExcluirMuito obrigado, professor!
ExcluirComo eu visito o sítio? Obrigado!
ResponderExcluirOlá, Pedro! Infelizmente, o local da escavação não é ponto turístico. Não há estrutura para visitação lá.
Excluirhttps://museudotijoloantigo.blogspot.com/
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