O pesquisador independente Roberto Yamashita (66) diz que a milenar rota indígena que cortava a América do Sul de leste a oeste (do oceano Atlântico até o Pacífico), conhecida no Brasil como "Peabiru", pode ter passado pelo bairro Jaraguá.
Yamashita, que vive no distrito desde os anos 1950, conta que estuda a rota há mais de 15 anos. De tão apaixonado pelo tema, o homem nomeou sua propriedade que fica no sopé do Pico do Jaraguá como "Chácara Vereda Peabiru", "eu fiz isso para ver se alguém reconhece o nome e vem bater na minha porta", diz.
No idioma Português, o termo Tupi-guarani "pe" significa "caminho" e "abiru" quer dizer "gramado amassado". Peabiru, portanto, é "caminho gramado amassado". Apesar de ser uma palavra indígena, acredita-se que o trajeto tenha sido assim nomeado pelo jesuíta Pedro Lozano, que mencionou o termo em sua obra "História da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán", no século 18. Hoje, a maioria dos pesquisadores aceita que esse caminho tinha várias denominações (dependendo da região).
O percurso, que possuía algo entre 3 mil e 4 mil quilômetros de extensão e 1,40 m de largura com alguns trechos forrados com gramas, transpassava a América do Sul de ponta a ponta. O trajeto contava com várias ramificações e na costa brasileira do Atlântico havia dois acessos (um a partir do estado de Santa Catarina e outro a partir de São Vicente, no estado de São Paulo) que se encontravam em certa altura do estado do Paraná (vide mapa no início deste post). Daí, unificado, o caminho continuava pelo território do Paraguai e Bolívia. Posteriormente se desfazia em outros ramais, ora pelos lados do Peru e ora pelos lados do Chile, terminando no oceano Pacífico, o que conectava os povos guaranis aos incas que por lá viviam.
O ramal que partia de São Vicente era conhecido como Trilha dos Tupiniquins, Caminho de Piaçaguera ou Caminho de Paranapiacaba. No período colonial, ele ligava o litoral paulista à Vila de São Paulo de Piratininga (embrião da cidade de São Paulo), "(...) o caminho do Peabiru foi por onde o colonizador Martim Afonso de Souza, acompanhado de João Ramalho e do índio Tibiriçá, subiram ao planalto", escreve o fotógrafo Gilberto Calixto Rios (bisneto do pintor e historiador Benedicto Calixto) no artigo "A formação das primeiras ruas" publicado no blogue São Paulo e Suas Ruas, "era uma trilha que, começando em Piaçaguera, subia serra, chegando até Paranapiacaba, no alto, seguindo daí até as atuais cidades de Mauá, Ribeirão Pires, Santo André, e entrando em São Paulo, através da Vila Prudente e Mooca, chegando em fim, ao centro. Dali seguia em direção oeste, subindo a atual Consolação, passando por Pinheiros, Barueri e seguindo depois para Sorocaba, o Paraná e chegando ao Paraguai", conclui.
Na segunda metade dos anos 1860, os trilhos da estrada de ferro Santos-Jundiaí foram construídos em cima do trecho da rota indígena, desde o litoral até a estação da Luz. Para Yamashita, no entanto, a linha de trens sobre a rota vai um pouco mais longe, precisamente até a estação da Vila Clarice, "se você olhar nos mapas comuns de hoje em dia, verá que os trilhos possuem uma direção quase reta até este ponto, mas quando chegam no sopé do morro, eles fazem uma curva abrupta à direita e seguem para Perus", explica, "minha opinião é que o Peabiru continuava reto e passava sobre o Pico do Jaraguá".
Outra informação que o faz pensar desse modo é que, ao longo de suas pesquisas, Yamashita visitou o Monte Ipanema, também chamado de Morro de Araçoiaba, em Sorocaba, elevado sobre o qual há vestígios da trilha indígena, "aquele morro é muito parecido com esse aqui, então, eu deduzo que cá como lá o Peabiru seguia reto, isto é, passava por cima do Pico do Jaraguá, de onde é possível visualizar horizontes mais longínquos e se localizar melhor, e devia sair lá onde hoje é Itu, Sorocaba e assim por diante", diz.
Ainda que, contudo, a hipótese de Yamashita não esteja correta e que a rota milenar não passasse exatamente sobre o bairro mais alto de São Paulo, é bem provável que os viajantes que transitavam por ela ao longo do rio Tietê rumo à Sorocaba observavam de longe o Pico do Jaraguá, que posteriormente - segundo o historiador Wilson Alves de Castro no livro "Morro Jaraguá: o senhor dos vales" - fora usado como bússola natural pelos bandeirantes.
Por outro lado, a favor da proposição de Yamashita, nunca é demais lembrar que, bem perto do Pico do Jaraguá e dos trilhos da ferrovia Santos-Jundiaí, arqueólogos encontraram centenas de peças antigas, algumas das quais indígenas, durante as escavações do Rodoanel realizadas na primeira metade dos anos 2000, assunto sobre o qual você poderá ler no artigo "Mais de 1.500 artefatos arqueológicos do bairro Jaraguá estão disponíveis para pesquisa em instituição de Jacareí" publicado aqui no Jaraguá SP Post.
Seja como for, em 2009, a jornalista Rosana Bond publicou a "História do caminho de Peabiru", um dos mais completos livros (com mais de 400 fontes) sobre o tema, depois de 14 anos de coleta de informações junto às lideranças guaranis de aldeias de Santa Catarina e de viagens pelos países por onde a rota se estende. Em sua obra, a jornalista expõe que, no século 19, pesquisadores latino-americanos encontraram vestígios guaranis próximos ao litoral chileno datados de 500 d.C. e, com isso, ela sugere que a rota já era percorrida há pelo menos 1.500 anos pelos povos indígenas.
ATLAS HISTÓRICO DO BRASIL. Os povos americanos: populações antes da conquista. São Paulo: FGV CPDOC. Disponível em <http://atlas.fgv.br/mapas/populacoes-americanas/terra-brasileira-antes-da-conquista>. Acesso em 25.jun.2018.
CASTRO, Wilson Alves de. Morro Jaraguá: o senhor dos vales. São Paulo: publicação independente, 1998. 96 p.
PEDROSA, Marinaldo Gomes. Mais de 1.500 artefatos arqueológicos do bairro Jaraguá estão disponíveis para pesquisa em instituição de Jacareí. São Paulo: Jaraguá SP Post, 2017. Disponível em: <http://jaraguasp.blogspot.com.br/2017/09/mais-1500-artefatos-arqueologicos-bairro-jaragua-disponiveis-pesquisa-instituicao-jacarei.html>. Acesso em: 10 out.2017.
RIOS, Gilberto Calixto Rios. A formação das primeiras ruas. São Paulo: São Paulo e suas ruas, 2015. Disponível em: <https://saopauloesuasruas.wordpress.com/2015/04/13/a-formacao-das-primeiras-ruas-de-sao-paulo/>. Acesso em: 10 out.2017.
VIEIRA, Wlademir. A pirâmide inca do morro do Araçoiaba. Blumenau: Manoa Expedições, 2009. Disponível em: <http://manoaexpedicoes.blogspot.com.br/2009/06/piramide-inca-do-morro-do-aracoiaba.html>. Acesso em: 10.out.2017.
WIKIPÉDIA. Caminho do Peabiru. Wikipédia. Atualizado em: 7 set.2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Caminho_do_Peabiru>. Acesso em: 10 out.2017.
WIKIPÉDIA. Morro de Ipanema. Wikipédia. Atualizado em: 31 jan.2016. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Morro_de_Ipanema>. Acesso em: 10 out.2017.
WIKIPÉDIA. Trilha dos Tupiniquins. Wikipédia. Atualizado em: 28 set.2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Trilha_dos_Tupiniquins>. Acesso em: 10 out.2017.
Sobre o Autor:
Peabiru era um caminho transcontinental por onde povos indígenas pré-colombianos viajavam desde o litoral Atlântico até o Pacífico |
Yamashita, que vive no distrito desde os anos 1950, conta que estuda a rota há mais de 15 anos. De tão apaixonado pelo tema, o homem nomeou sua propriedade que fica no sopé do Pico do Jaraguá como "Chácara Vereda Peabiru", "eu fiz isso para ver se alguém reconhece o nome e vem bater na minha porta", diz.
No idioma Português, o termo Tupi-guarani "pe" significa "caminho" e "abiru" quer dizer "gramado amassado". Peabiru, portanto, é "caminho gramado amassado". Apesar de ser uma palavra indígena, acredita-se que o trajeto tenha sido assim nomeado pelo jesuíta Pedro Lozano, que mencionou o termo em sua obra "História da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán", no século 18. Hoje, a maioria dos pesquisadores aceita que esse caminho tinha várias denominações (dependendo da região).
O percurso, que possuía algo entre 3 mil e 4 mil quilômetros de extensão e 1,40 m de largura com alguns trechos forrados com gramas, transpassava a América do Sul de ponta a ponta. O trajeto contava com várias ramificações e na costa brasileira do Atlântico havia dois acessos (um a partir do estado de Santa Catarina e outro a partir de São Vicente, no estado de São Paulo) que se encontravam em certa altura do estado do Paraná (vide mapa no início deste post). Daí, unificado, o caminho continuava pelo território do Paraguai e Bolívia. Posteriormente se desfazia em outros ramais, ora pelos lados do Peru e ora pelos lados do Chile, terminando no oceano Pacífico, o que conectava os povos guaranis aos incas que por lá viviam.
Yamashita na Chácara Vereda Peabiru, da qual é dono |
O ramal que partia de São Vicente era conhecido como Trilha dos Tupiniquins, Caminho de Piaçaguera ou Caminho de Paranapiacaba. No período colonial, ele ligava o litoral paulista à Vila de São Paulo de Piratininga (embrião da cidade de São Paulo), "(...) o caminho do Peabiru foi por onde o colonizador Martim Afonso de Souza, acompanhado de João Ramalho e do índio Tibiriçá, subiram ao planalto", escreve o fotógrafo Gilberto Calixto Rios (bisneto do pintor e historiador Benedicto Calixto) no artigo "A formação das primeiras ruas" publicado no blogue São Paulo e Suas Ruas, "era uma trilha que, começando em Piaçaguera, subia serra, chegando até Paranapiacaba, no alto, seguindo daí até as atuais cidades de Mauá, Ribeirão Pires, Santo André, e entrando em São Paulo, através da Vila Prudente e Mooca, chegando em fim, ao centro. Dali seguia em direção oeste, subindo a atual Consolação, passando por Pinheiros, Barueri e seguindo depois para Sorocaba, o Paraná e chegando ao Paraguai", conclui.
Na segunda metade dos anos 1860, os trilhos da estrada de ferro Santos-Jundiaí foram construídos em cima do trecho da rota indígena, desde o litoral até a estação da Luz. Para Yamashita, no entanto, a linha de trens sobre a rota vai um pouco mais longe, precisamente até a estação da Vila Clarice, "se você olhar nos mapas comuns de hoje em dia, verá que os trilhos possuem uma direção quase reta até este ponto, mas quando chegam no sopé do morro, eles fazem uma curva abrupta à direita e seguem para Perus", explica, "minha opinião é que o Peabiru continuava reto e passava sobre o Pico do Jaraguá".
Para Yamashita, o Peabiru não fazia a curva à diteira dos trilhos, mas continuava por cima do Pico do Jaraguá |
Outra informação que o faz pensar desse modo é que, ao longo de suas pesquisas, Yamashita visitou o Monte Ipanema, também chamado de Morro de Araçoiaba, em Sorocaba, elevado sobre o qual há vestígios da trilha indígena, "aquele morro é muito parecido com esse aqui, então, eu deduzo que cá como lá o Peabiru seguia reto, isto é, passava por cima do Pico do Jaraguá, de onde é possível visualizar horizontes mais longínquos e se localizar melhor, e devia sair lá onde hoje é Itu, Sorocaba e assim por diante", diz.
Ainda que, contudo, a hipótese de Yamashita não esteja correta e que a rota milenar não passasse exatamente sobre o bairro mais alto de São Paulo, é bem provável que os viajantes que transitavam por ela ao longo do rio Tietê rumo à Sorocaba observavam de longe o Pico do Jaraguá, que posteriormente - segundo o historiador Wilson Alves de Castro no livro "Morro Jaraguá: o senhor dos vales" - fora usado como bússola natural pelos bandeirantes.
Por outro lado, a favor da proposição de Yamashita, nunca é demais lembrar que, bem perto do Pico do Jaraguá e dos trilhos da ferrovia Santos-Jundiaí, arqueólogos encontraram centenas de peças antigas, algumas das quais indígenas, durante as escavações do Rodoanel realizadas na primeira metade dos anos 2000, assunto sobre o qual você poderá ler no artigo "Mais de 1.500 artefatos arqueológicos do bairro Jaraguá estão disponíveis para pesquisa em instituição de Jacareí" publicado aqui no Jaraguá SP Post.
Populações da América do Sul antes da conquista dos europeus. Peabiru representado pela linha verde (clique para ampliar). Mapa: Atlas Histórico do Brasil - FGV CPDOC |
Atualizações:
- Artigo atualizado no dia 25 de junho de 2018: inserção do mapa "Os povos americanos: populações antes da conquista".
Referências:
A NOVA DEMOCRACIA. O milenar "Caminho de Peabiru" em livro. Rio de Janeiro: Editora Aimberê, 2009. Disponível em: <http://anovademocracia.com.br/no-54/2263-o-milenar-qcaminho-de-peabiruq-em-livro>. Acesso em: 10.out.2017.ATLAS HISTÓRICO DO BRASIL. Os povos americanos: populações antes da conquista. São Paulo: FGV CPDOC. Disponível em <http://atlas.fgv.br/mapas/populacoes-americanas/terra-brasileira-antes-da-conquista>. Acesso em 25.jun.2018.
CASTRO, Wilson Alves de. Morro Jaraguá: o senhor dos vales. São Paulo: publicação independente, 1998. 96 p.
PEDROSA, Marinaldo Gomes. Mais de 1.500 artefatos arqueológicos do bairro Jaraguá estão disponíveis para pesquisa em instituição de Jacareí. São Paulo: Jaraguá SP Post, 2017. Disponível em: <http://jaraguasp.blogspot.com.br/2017/09/mais-1500-artefatos-arqueologicos-bairro-jaragua-disponiveis-pesquisa-instituicao-jacarei.html>. Acesso em: 10 out.2017.
RIOS, Gilberto Calixto Rios. A formação das primeiras ruas. São Paulo: São Paulo e suas ruas, 2015. Disponível em: <https://saopauloesuasruas.wordpress.com/2015/04/13/a-formacao-das-primeiras-ruas-de-sao-paulo/>. Acesso em: 10 out.2017.
VIEIRA, Wlademir. A pirâmide inca do morro do Araçoiaba. Blumenau: Manoa Expedições, 2009. Disponível em: <http://manoaexpedicoes.blogspot.com.br/2009/06/piramide-inca-do-morro-do-aracoiaba.html>. Acesso em: 10.out.2017.
WIKIPÉDIA. Caminho do Peabiru. Wikipédia. Atualizado em: 7 set.2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Caminho_do_Peabiru>. Acesso em: 10 out.2017.
WIKIPÉDIA. Morro de Ipanema. Wikipédia. Atualizado em: 31 jan.2016. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Morro_de_Ipanema>. Acesso em: 10 out.2017.
WIKIPÉDIA. Trilha dos Tupiniquins. Wikipédia. Atualizado em: 28 set.2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Trilha_dos_Tupiniquins>. Acesso em: 10 out.2017.
Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976. |
Que bom saber estas informações ? Obrigado
ResponderExcluirTalvez isso ajude explicar sobre povos desaparecidos antes dos indios e sobre os povos dos sambaquis.
ResponderExcluirsempre tive a certeza de que sempre houve uma rota de troca e comercio entre várias etnias nativas primitivas.Encontrei uma peça lítica em forma piramidal aqui em minhas expedições,fantástica de quatro faces bem definidas,o que me chamou atenção e curiosidade de como veio parar aqui e por que.Blog Caiaque Aventura e Natureza.
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