Pico do Jaraguá: por que o chamam de Morro Testemunho no meio acadêmico?

No meio acadêmico, Morro Testemunho é um morro que se destaca em uma paisagem de topografia plana e/ou com algum relevo suave, o que são os casos do Corcovado (710m) e do Pão de Açúcar (396m), no Rio de Janeiro; e também dos picos do Jaraguá (1.135m) e do Papagaio (1.127m) localizados na periferia noroeste do município de São Paulo.

Pico do Jaraguá, um Morro Testemunho.
Foto: Marinaldo Gomes Pedrosa

Neste contexto, em recente entrevista ao Jaraguá SP Post, a cientista da natureza com formação pela Universidade de São Paulo, Lucélia Aparecida Letta, disse que o Pico do Jaraguá só é um Morro Testemunho porque sobreviveu / testemunhou aos processos de erosão ocorridos ao longo dos últimos 500 milhões ou talvez 700 milhões de anos.

Lucélia Letta no Pico do Jaraguá.
Foto: Foto: acervo Letta/Velázquez

Vale lembrar, erosão é o desbaste ou corrosão da superfície terrestre devido à ação da água, vento, gelo e outras intempéries. Seja como for, de acordo com as "Notas sobre a geomorfologia do Jaraguá e vizinhanças (1948)¹" produzidas pelo geógrafo Aziz Ab'Saber (1924-2012), a região do Jaraguá SP é um bom exemplo de "erosão diferencial".

Ab'Saber, o "Pelé da Geografia brasileira".
Foto: obtida no blog Geografia é Luta

Quando menciona "erosão diferencial", Ab'Saber está relatando que a erosão atua de maneira diferente sobre as rochas. Assim, o desgaste erosivo modela as rochas menos resistentes em elevados mais baixos e as mais resistentes em elevados mais altos.

Antena 130m + Pico 1.135m = 1.265m.
Foto: Marinaldo Gomes Pedrosa

Daí que, sendo o Pico do Jaraguá um morro da série São Roque constituído de quartzito (o qual é composto por mais de 75% de quartzo, que na escala de Mohs é um material mais duro que o aço), este resistiu bem mais aos processos erosivos de milhões de anos do que os materiais de muitos dos demais morros do Planalto Atlântico Paulista.

Quartzito do Pico do Jaraguá SP.
Foto: Marinaldo Pedrosa

Abrindo um parêntese, atualmente o Planalto Paulista possui altitude variável de 800 a 2.000 metros, mas em um passado remoto já contou com uma cadeia de montanhas com mais de 3.000 metros de altitude, a qual ia de Santa Catarina até a Bahia, conforme informações publicadas no artigo "O novo mapa de relevo paulista", da Fapesp.

Cidade de São Paulo está no coração do Planalto Paulista.
Foto: Andre Deak. Licença CC BY 2.0

E, para finalizar, uma curiosidade: a referida série São Roque é o nome dado a um conjunto de rochas quartzíticas depositadas em ambiente marinho com atividade vulcânica submarina, segundo descrição de Renato Henrique-Pinto na dissertação de mestrado "Metaconglomerados e rochas associadas do Grupo São Roque a norte da cidade de São Paulo, Brasil". Assim, este cientista insinua que o lugar onde os cidadãos locais vivem hoje já foi mar ou oceano em um passado muito, muito distante.

Pico de Jaraguá e região. Vista do Morro de Taipas.
Foto: Trilhafavela

Notas

1 - O documento "Notas sobre a geomorfologia do Jaraguá e vizinhanças (1948)" foi republicado em 1951 de forma revista e ampliada nos anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros com o título "Geomorfologia da região do Jaraguá, em São Paulo".

Referências:

AB'SABER, Aziz Nacib. Geomorfologia da região do Jaraguá, em São Paulo. São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros, 1951. Disponível em <https://docs.google.com/file/d/0B1cydfxjF6KZczY3VDQ1RXBMcjg/edit>. Acesso em: 08 dez.2018.

CANALE, profª. Dra. Lauralice. Ensaio de dureza e impacto. São Carlos: Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.

CARDOSO, Mayara. Escala de Mohs. InfoEscola. Disponível em: <https://www.infoescola.com/quimica/escala-de-mohs/>. Acesso em: 08 dez.2018.

FAPESP. O novo mapa de relevo paulista. São Paulo: Fapesp, 1998. Disponível em <http://revistapesquisa.fapesp.br/1998/09/01/o-novo-mapa-de-relevo-paulista/>. Acesso em: 08 dez.2018.

FERREIRA, Fidelis Borges Santos. Avaliação da utilização de resíduos de quartzito como agregado em microconcretos. São João del-rei: 2017. 19 p. Dissertação de mestrado (Engenharia Mecânica - Materiais e Processos de Fabricação) - Universidade Federal de São João del-Rei, MG, 2017.

HENRIQUE-PINTO, Renato; JANASI, Valdecir de Assis. Metaconglomerados e rochas associadas do Grupo São Roque a norte da cidade de São Paulo, Brasil. 2008. 425 p. Dissertação de mestrado (Petrologia Ígnea e Metamórfica) - Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/44/44143/tde-11112008-115527/pt-br.php>. Acesso em: 08 dez. 2018.

LETTA, L.A.,; VELÁZQUEZ, V. F. Riqueza Patrimonial da diversidade geológica do parque Estadual do Jaraguá, São Paulo. Trabalho Final de Graduação (TF), 2009. Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo - USP.

PEDROSA, Marinaldo Gomes. Entrevista: cientista da natureza formada pela USP revela do que é feito o Pico do Jaraguá. São Paulo: Jaraguá SP Post, 2017. Disponível em: <https://jaraguasp.blogspot.com/2017/03/entrevista-cientista-natureza-formada-usp-revela-dentro-pico-jaragua.html>. Acesso em: 08 dez. 2018.

WINGE, M. Glossário geológico ilustrado: erosão. Sigep, 2018. Disponível em: <http://sigep.cprm.gov.br/glossario/>. Acesso em: 07 dez. 2018.

WINGE, M. Glossário geológico ilustrado: erosão diferencial. Sigep, 2018. Disponível em: <http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/erosao_diferencial.htm>. Acesso em: 28 jun. 2018.

WINGE, M. Glossário geológico ilustrado: testemunho. Sigep, 2018. Disponível em: <http://sigep.cprm.gov.br/glossario/>. Acesso em: 07 dez. 2018.

Sobre o Autor:

Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976.