Abelha sem ferrão que coleta polpa de frutos é pesquisada em Jaraguá

Há sete anos descobri (e venho pesquisando desde então) que as abelhas da espécie Trigona spinipes, também conhecidas como Irapuãs, Arapuãs e Urapucas, entre outras dezenas de nomes, e encontradas no Brasil de ponta a ponta, colhem pedaços de polpa dos frutos maduros da Pereskia aculeata, uma planta popularmente chamada de Ora-pro-nobis.

Foto 4: Irapuãs tiram a polpa e deixam as sementes do fruto da Pereskia.
Foto 4: Irapuãs tiram a polpa e deixam as sementes do fruto da Pereskia.
Na altitude de aproximadamente 840m onde vivo, no centro do Jaraguá, periferia noroeste de São Paulo, Brasil, tenho verificado que esse comportamento específico dessa espécie de abelhas manifesta-se regularmente nos meses de inverno.

A presença de frutos maduros das Pereskias associada com a escassez de polens florais ocasionada pelas secas e temperaturas baixas da época (as quais afetam dramaticamente os vegetais da flora local) força as Irapuãs a aproveitarem a polpa de frutos das Pereskias.

Apesar de ter descoberto este modo de proceder das Irapuãs há muito tempo, jamais o divulguei, pois pretendia descobrir também qual espécie de animal que arranca pedaço da casca dos frutos das Pereskias, que é grossa e munida de espinhos, para expor a polpa às Irapuãs.

Sou inclinado a acreditar que são as próprias Irapuãs que, com suas mandíbulas, arrancam pedaço da casca dos frutos, porém ainda não posso comprovar cientificamente que é assim que tudo acontece.

O que importa por ora é que com a abertura de um buraco de 5mm no fruto, as abelhas podem introduzir suas cabeças no lugar e com suas mandíbulas cortar a arrancar pedaços da polpa.

Dado que os frutos das Pereskias são ricos em vitaminas e proteínas, logo deduzo que as Irapuãs coletam a polpa de seus frutos porque a tem como alimento, o que nos permite classificá-la como espécie de abelha sem ferrão frugívora.

Irapuã (frugívora?): observações de campo

Na foto 1, a seguir, é possível observar a infrutescência de Pereskia aculeata Mill., com frutos maduros. Logo abaixo dela, na foto 2, vê-se em detalhe os espinhos sobre sua casca.

Foto 1: infrutescência da Pereskia aculeata Mill.
Foto 1: infrutescência da Pereskia aculeata Mill.
Foto 2: espinhos do fruto da Pereskia em detalhe.
Foto 2: espinhos do fruto da Pereskia em detalhe.
A foto 3, por sua vez, exibe dois frutos com aberturas. O da direita foi aberto há dias e a sua polpa foi totalmente aproveitada. A coloração da casca indica que o fruto encontra-se agora em avançado estágio de decomposição.

Em contraposição, por sua coloração, percebe-se que o fruto da esquerda foi aberto mais recentemente e por isso não está em decomposição. No lado esquerdo do buraco, sobre o fruto, encontra-se uma abelha Irapuã carregada, com pedacinhos de polpa em suas corbículas.


Foto 3: fruto da direita aberto recentemente e fruto da esquerda aberto há dias.
Foto 3: fruto da direita aberto recentemente e fruto da esquerda aberto há dias.
Exposta na abertura deste artigo, a foto 4 é uma ampliação do fruto à esquerda na foto 3. As áreas pretas no interior do fruto são as suas sementes, que as abelhas não tiram.

A seguir, nas fotos 5 e 6, observa-se a Irapuã carregada de grandes bolotas da polpa do fruto da Pereskia.

Foto 5: bolotas de polpa (vide setas).
Foto 5: bolotas de polpa (vide setas).

Foto 6: pronta para voltar para o ninho.
Foto 6: pronta para voltar para o ninho.
Enfim, a abelha está agora de saída do fruto, rumo ao seu ninho.

Importante: da diminuição do número de colônias de Irapuãs no Jaraguá

Quando em 1996 comecei a fazer pesquisas no distrito Jaraguá, na área abrangida pelas ruas Galvão Bueno Trigueirinho, Dr. Rafael de Araújo Ribeiro e estrada de ferro da CPTM, tinha conhecimento da existência de quatro ninhos de abelhas Irapuãs, visíveis desde as ruas que eu passava diariamente para colher dados para meus estudos. Entretanto, desde o ano 2016, quando passo pelas mesmas ruas não vejo nenhum ninho de abelhas Irapuãs.

Devido ao comportamento agressivo dessa espécie de abelhas sem ferrão, e apesar de serem importantes para a preservação da flora local, as pessoas não as aceitam por perto de suas casas. E quando chega algum enxame de Irapuãs para nidificar perto de qualquer residência, os moradores as exterminam por meio do fogo ou inseticidas.

É assim que, nas áreas densamente habitadas por humanos, diminui-se o número de colônias da espécie Trigona spinipes.
Sobre o Autor:
Nikolaos Argyrios Mitsiotis Nikolaos Argyrios Mitsiotis foi o fundador da Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíficas Europeias. É pesquisador autodidata.

Comentários

  1. Parabéns pela pesquisa e preocupação! Tenho visto essa espécie e outras, no inverno, carregarem milho quebrado (quirela), dos comedouros dos pássaros... no meu sítio em Sta. Catarina !

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    1. Muito obrigado! Interessante! Mande-nos fotos das suas observações, se puder!

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  2. Miro de Juquitiba/SP19 de agosto de 2018 às 23:21

    Parabéns pela iniciativa de estudar e apresentar seu parecer sobre uma espécie de abelhas indesejada pelos apicultores e por muitos cidadãos comuns. Como espécie polinizadora, toda informação disponível é importante de ser compartilhada para conhecermos sobre a espécie, entendermos mais, e respeitarmos sua importância em nosso ecossistema.

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  3. Interessante meu amigo, eu também observei que esse comportamento também acontece com o fruto das laranjas peras. Elas também coletam a poupa do fruto da laranja.

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