Expedição fotográfica ao Conjunto Habitacional Turística

Prédios do Conjunto Habitacional Turística
Prédios do Conjunto Habitacional Turística
Localizado no extremo sudoeste do distrito, o Conjunto Habitacional Turística é um território de aproximadamente 1.000 x 700 metros no meio do qual passa a linha fronteiriça entre o bairro São Domingos e o bairro Jaraguá.

No lado do Jaraguá, o Conjunto Habitacional Turística possui duas faces. De um lado há um aglomerado de residências comuns enfileiradas em ruas curvilíneas com ladeiras medianas e do outro 27 prédios condominiais, nos quais milhares de pessoas vivem verticalmente. Ambos estão baseados aos pés dos picos do Jaraguá e do Papagaio.

Mapa com a posição do Conjunto Habitacional Turística dentro do bairro Jaraguá
Mapa com a posição do Conjunto Habitacional Turística
dentro do bairro Jaraguá
É este o cenário de uma de minhas expedições fotográficas aos vilarejos do distrito realizada no domingo, 14 de agosto de 2016. Entro no lugar pela rua Miguel Petrilli em cujo final salto para a rua Ilha das Palmas, onde avisto um homem que cuida de um galinheiro. É José Antônio Tomaz, nascido em Petrolina, Pernambuco, morador do Conjunto Habitacional Turística desde o ano 2000.
O galinheiro de Tomaz, no Conjunto Habitacional Turística
O galinheiro de Tomaz, no Conjunto Habitacional
Turística

- Esta vila só existe por causa do esforço do pessoal da cooperativa do Marcos Zerbini - ele me conta.

- Ah, sim! Eu conheço o Zerbini de vista. Eu já participei das reuniões do movimento que ele e a esposa dele coordenam para conseguir descontos na faculdade - eu lhe digo.

Como tínhamos isso em comum, a conversa prosseguiu. Tomaz me revela que o terreno onde está instalado o galinheiro pertence aos donos dos 27 edifícios adjacentes à sua casa. Ele diz que usa a área, mas não é advertido por isso.

- Eu também gosto de plantar. Mais para cima eu já plantei pés de manga, jabuticaba, limão, laranja, graviola e uva.

Aos poucos vejo que Tomaz é um conversador nato. Além do lado bom da região, ele também me fala sobre assassinatos e uso de drogas que vira-e-mexe ocorrem por perto, entre outras atividades que geram desvalorização.

- Tirando essas coisas, aqui é um lugar muito bom para morar - ele conclui.

Eu gostaria de ouvir mais narrativas dele, mas preciso continuar minha jornada, pois anoitece. Então, subo a rua e na beira da mata dos dois picos do bairro encontro uma placa da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) que proíbe a entrada no lugar.
Limite que Cetesb impõe contra entrada de pessoas na mata do Parque Estadual do Jaraguá
Limite que a Cetesb impõe contra entrada de pessoas na
mata do Parque Estadual do Jaraguá

Em uma casa logo à frente, o senhor José Carlos Midiote, marceneiro, nascido em Itaguaçu, no Espírito Santo, e morador do distrito há 15 anos, me observa enquanto tiro fotos da placa.

- O que há mata adentro que não se pode entrar? - pergunto.

- A uns 70 metros adiante tem um campinho de terra e, logo depois, uma cerca.

Concluo que a cerca de que fala Midiote é a que delimita o Parque Estadual do Jaraguá (PEJ), o qual foi tombado em 1994 como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e que, por isso, recebe atenção especial da instituição para efeitos de preservação.

- Frequentemente, muitos animais saem dessa mata e vêm até a frente de minha casa - diz Midiote. Por aqui eu já vi porco espinho, quati, sagui, veado, jacu e tucano.


Mata em frente à casa de Midiote
Mata em frente à casa de Midiote
Borda da mata do PEJ em frente à casa de Midiote
Borda da mata do PEJ em frente à casa de Midiote
Nesse momento, recordo-me da visita que fiz a Érika Lisboa e ao seu sogro Moacir Barbosa, na Vila Nova Jaraguá, os quais também recebem a visita de animais que saem da floresta próxima de sua residência.

O véu escuro da noite se aproxima rapidamente e, por isso, despeço-me de Midiote e sigo pela rua Parque Nacional da Serra, desço a Adriano Reys e chego ao CEI Estrada Turística do Jaraguá ao lado do qual está instalada a União dos Escoteiros do Brasil - Campo Escola Jaraguá.
CEI Estrada Turística
CEI Estrada Turística
Portão de boas-vindas ao Campo Escola Jaraguá dos escoteiros
Portal de boas-vindas ao Campo Escola Jaraguá dos escoteiros
Os escoteiros usam (para treino de seus afiliados) uma área de 12 hectares (120 mil metros quadrados) no sopé das duas montanhas do PEJ desde 1966, ano em que o Instituto Florestal concedeu o terreno em regime de comodato (empréstimo gratuito) por 30 anos. Quando o prazo venceu em 1996, o empréstimo foi renovado por mais 30 anos conforme a Lei 8.304/93.
A placa na entrada do Campo Escola cita a área de 12 ha (120 mil metros quadrados) cedida em comodado aos escoteiros do Brasil
A placa na entrada do Campo Escola cita a área de 12 ha (120 mil
metros quadrados) cedida em comodado aos escoteiros do Brasil
Percebo que há uma trilha de terra logo após as placas de identificação do Campo Escola dos Escoteiros. Vejo que não há portões e a única coisa que poderia impedir minha entrada ali é um cancela preta e amarela, que está aberta.

Arrisco entrar sem avisar. Caminho alguns metros. Logo avisto uma mulher que pratica corrida. Ela vem com passadas rápidas, balança os braços para lá e para cá. Respira, inspira. Passa ao meu lado.

- Moça, quantos metros tem essa trilha?

- Oitocentos! - ela me informa.

Ela vai embora sem que eu tenha tempo de perguntar seu nome ou mesmo de ouvir suas histórias, o que eu gostaria muito. Assim, prossigo na trilha solitário. Mata fechada. Um túnel de árvores.

Mais à frente, vejo um garoto que caminha na direção contrária. Ele se apresenta como Robert Ferreira. Diz que saiu de sua casa no vilarejo Nova Esperança e que pretende ir para a residência da namorada que mora em Santa Mônica.


O garoto na trilha, quase imperceptível no fundo da foto, é Robert Ferreira, que caminha dois quilômetros até a casa da namorada
O garoto na trilha, quase imperceptível no fundo da foto, é
Robert Ferreira, que caminha dois quilômetros até a casa da namorada
- São mais ou menos dois quilômetros a pé - ele diz.

Ferreira me conta que passa por ali quase todos os dias e que, nos últimos tempos, tem notado a presença de soldados na trilha. Isso me deixa muito curioso. O que o exército brasileiro estaria fazendo naquele lugar?

Agradeço ao Ferreira pelas informações e vou. Aperto o passo. Corro por cem ou duzentos metros. Vejo um córrego sobre o qual há uma pequena ponte de madeira que desemboca no Conjunto Habitacional Turística do outro distrito. A ponte é a fronteira que separa o bairro Jaraguá do bairro São Domingos.


Ponte que separa o lado Jaraguá e o lado São Domingos do Conjunto Habitacional Turística
Ponte que separa o lado Jaraguá e o lado São Domingos do
Conjunto Habitacional Turística
Ando mais um pouco e, de súbito, a trilha termina. Pelas minhas contas, foram apenas quatrocentos metros. Então chego à conclusão de que quando a moça disse "oitocentos" lá no começo, ela estava querendo dizer "ida e volta".

Contudo, o que mais me intriga no fim da trilha não é a distância encurtada, mas a presença de dois soldados atrás de um portão que protege a base dos escoteiros. Cada um deles segura uma metralhadora capaz de me transformar em uma peneira em menos de 10 segundos.

- Então, essa é a sede dos escoteiros?

- Isso mesmo - eles respondem.

- Mas vocês não parecem nem um pouco com escoteiros.

- Somos do exército.

- Mas o que o exército faz por aqui?

- Estamos cuidando da segurança do estádio "Itaquerão" durante os eventos das Olimpíadas e aqui é nossa base durante esse processo.

- Eu posso tirar uma foto?

- Mas é claro que não.

Frustrado com a negativa, faço o caminho inverso da trilha rapidamente, já no escuro. Ouço cães latirem por perto. Entre as frestas da vegetação enxergo algumas luzes acesas. Saio para a rua asfaltada e logo percebo que, ao lado do CEI, está instalado o EMEF Chácara Turística. Logo à frente dele está a Estrada Turística do Jaraguá, que vai da Anhanguera até o topo do Pico do Jaraguá, onde ciclistas provenientes dos mais diversos lugares fazem o chamado downhill (montanha abaixo) todos os santos dias.
EMEF Chácara Turística
EMEF Chácara Turística
Picos do Jaraguá e do Papagaio vistos a partir das proximidades da empresa RG Log, um dos raros lugares perto do Conjunto Habitacional Turística onde se pode avistar as montanhas mais altas de São Paulo
Picos do Jaraguá e do Papagaio vistos a partir das proximidades
da empresa RG Log, um dos raros lugares perto do Conjunto Habitacional
Turística onde se pode avistar as montanhas mais altas de São Paulo
Percorro um pedaço daquela estrada onde há uma empresa chamada RG Log Logística e Transporte. Então, vejo que apesar de o Conjunto Habitacional Turística estar situado ao lado das montanhas mais altas de São Paulo, quase não se pode vê-las, pois os prédios e as árvores bloqueiam a vista.

Como, enfim, o sol se foi, decido ir também. Finalizo, assim, mais uma edição do projeto "Expedições fotográficas aos vilarejos do bairro Jaraguá" e volto para casa.
Sobre o Autor:
Marinaldo Gomes Pedrosa Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976.

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