Prédios do Conjunto Habitacional Turística |
No lado do Jaraguá, o Conjunto Habitacional Turística possui duas faces. De um lado há um aglomerado de residências comuns enfileiradas em ruas curvilíneas com ladeiras medianas e do outro 27 prédios condominiais, nos quais milhares de pessoas vivem verticalmente. Ambos estão baseados aos pés dos picos do Jaraguá e do Papagaio.
Mapa com a posição do Conjunto Habitacional Turística
dentro do bairro Jaraguá
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O galinheiro de Tomaz, no Conjunto Habitacional Turística |
- Esta vila só existe por causa do esforço do pessoal da cooperativa do Marcos Zerbini - ele me conta.
- Ah, sim! Eu conheço o Zerbini de vista. Eu já participei das reuniões do movimento que ele e a esposa dele coordenam para conseguir descontos na faculdade - eu lhe digo.
Como tínhamos isso em comum, a conversa prosseguiu. Tomaz me revela que o terreno onde está instalado o galinheiro pertence aos donos dos 27 edifícios adjacentes à sua casa. Ele diz que usa a área, mas não é advertido por isso.
- Eu também gosto de plantar. Mais para cima eu já plantei pés de manga, jabuticaba, limão, laranja, graviola e uva.
Aos poucos vejo que Tomaz é um conversador nato. Além do lado bom da região, ele também me fala sobre assassinatos e uso de drogas que vira-e-mexe ocorrem por perto, entre outras atividades que geram desvalorização.
- Tirando essas coisas, aqui é um lugar muito bom para morar - ele conclui.
Eu gostaria de ouvir mais narrativas dele, mas preciso continuar minha jornada, pois anoitece. Então, subo a rua e na beira da mata dos dois picos do bairro encontro uma placa da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) que proíbe a entrada no lugar.
Limite que a Cetesb impõe contra entrada de pessoas na mata do Parque Estadual do Jaraguá |
Em uma casa logo à frente, o senhor José Carlos Midiote, marceneiro, nascido em Itaguaçu, no Espírito Santo, e morador do distrito há 15 anos, me observa enquanto tiro fotos da placa.
- O que há mata adentro que não se pode entrar? - pergunto.
- A uns 70 metros adiante tem um campinho de terra e, logo depois, uma cerca.
Concluo que a cerca de que fala Midiote é a que delimita o Parque Estadual do Jaraguá (PEJ), o qual foi tombado em 1994 como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e que, por isso, recebe atenção especial da instituição para efeitos de preservação.
- Frequentemente, muitos animais saem dessa mata e vêm até a frente de minha casa - diz Midiote. Por aqui eu já vi porco espinho, quati, sagui, veado, jacu e tucano.
Mata em frente à casa de Midiote |
Borda da mata do PEJ em frente à casa de Midiote |
O véu escuro da noite se aproxima rapidamente e, por isso, despeço-me de Midiote e sigo pela rua Parque Nacional da Serra, desço a Adriano Reys e chego ao CEI Estrada Turística do Jaraguá ao lado do qual está instalada a União dos Escoteiros do Brasil - Campo Escola Jaraguá.
CEI Estrada Turística |
Portal de boas-vindas ao Campo Escola Jaraguá dos escoteiros |
A placa na entrada do Campo Escola cita a área de 12 ha (120 mil metros quadrados) cedida em comodado aos escoteiros do Brasil |
Arrisco entrar sem avisar. Caminho alguns metros. Logo avisto uma mulher que pratica corrida. Ela vem com passadas rápidas, balança os braços para lá e para cá. Respira, inspira. Passa ao meu lado.
- Moça, quantos metros tem essa trilha?
- Oitocentos! - ela me informa.
Ela vai embora sem que eu tenha tempo de perguntar seu nome ou mesmo de ouvir suas histórias, o que eu gostaria muito. Assim, prossigo na trilha solitário. Mata fechada. Um túnel de árvores.
Mais à frente, vejo um garoto que caminha na direção contrária. Ele se apresenta como Robert Ferreira. Diz que saiu de sua casa no vilarejo Nova Esperança e que pretende ir para a residência da namorada que mora em Santa Mônica.
O garoto na trilha, quase imperceptível no fundo da foto, é Robert Ferreira, que caminha dois quilômetros até a casa da namorada |
Ferreira me conta que passa por ali quase todos os dias e que, nos últimos tempos, tem notado a presença de soldados na trilha. Isso me deixa muito curioso. O que o exército brasileiro estaria fazendo naquele lugar?
Agradeço ao Ferreira pelas informações e vou. Aperto o passo. Corro por cem ou duzentos metros. Vejo um córrego sobre o qual há uma pequena ponte de madeira que desemboca no Conjunto Habitacional Turística do outro distrito. A ponte é a fronteira que separa o bairro Jaraguá do bairro São Domingos.
Ponte que separa o lado Jaraguá e o lado São Domingos do Conjunto Habitacional Turística |
Contudo, o que mais me intriga no fim da trilha não é a distância encurtada, mas a presença de dois soldados atrás de um portão que protege a base dos escoteiros. Cada um deles segura uma metralhadora capaz de me transformar em uma peneira em menos de 10 segundos.
- Então, essa é a sede dos escoteiros?
- Isso mesmo - eles respondem.
- Mas vocês não parecem nem um pouco com escoteiros.
- Somos do exército.
- Mas o que o exército faz por aqui?
- Estamos cuidando da segurança do estádio "Itaquerão" durante os eventos das Olimpíadas e aqui é nossa base durante esse processo.
- Eu posso tirar uma foto?
- Mas é claro que não.
Frustrado com a negativa, faço o caminho inverso da trilha rapidamente, já no escuro. Ouço cães latirem por perto. Entre as frestas da vegetação enxergo algumas luzes acesas. Saio para a rua asfaltada e logo percebo que, ao lado do CEI, está instalado o EMEF Chácara Turística. Logo à frente dele está a Estrada Turística do Jaraguá, que vai da Anhanguera até o topo do Pico do Jaraguá, onde ciclistas provenientes dos mais diversos lugares fazem o chamado downhill (montanha abaixo) todos os santos dias.
EMEF Chácara Turística |
Como, enfim, o sol se foi, decido ir também. Finalizo, assim, mais uma edição do projeto "Expedições fotográficas aos vilarejos do bairro Jaraguá" e volto para casa.
Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976. |
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